quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Fazendo o dia de alguém feliz

(ou a história do casal de velhinhos)

Teve um dia que ensaiamos na antiga casa daquela-que-manda-a-gente-ficar-quieta, que fica no centro de Barão Geraldo. Aquela-que-manda-em-tudo nos deu a missão de, em 30min, ir para a rua e mudar a vida de alguém. Uma missão individual. Segui um casal de velhinhos. Ele era grande, alto e forte. Ela era pequena e baixa. Andavam lentamente, com dificuldade, de mãos dadas. Umas 2 vezes ele fez um movimento com a perna direita indo para o lado, no alto. Me lembrou "Dançando na Chuva". Enquanto eu os seguia, escrevi numa folha de sulfite o refrão de uma música. Quando eles pararam para cumprimentar uma outra senhora, interpelei-os. Disse que eu tinha a missão de cantar para alguém. Foi a primeira coisa que me veio à mente: cantar aquela canção. Cantei. A senhora que acompanhava o senhor começou a chorar e me abraçou de um lado (esquerdo). A outra senhora me abraçou do outro lado (direito). O senhor se manteve parado no meio, engolindo o choro que quase saía dos seus olhos. Eu fiquei sem saber o que fazer. Eu só queria fazer o dia de alguém feliz. Então, eu disse isso. Aí a senhora que chorava se afastou e disse que eu tinha feito o dia de alguém feliz e me pediu desculpas, dizendo que estavam com problemas na família. Eu disse que não queria me intrometer, mas perguntei se eu poderia saber o problema. Então, o senhor levantou a camisa do lado esquerdo e eu vi uma bolsa de hospital acoplada no seu corpo. Ela me disse que ele estava com câncer. E ele completou me dizendo que tinha saído do hospital no dia anterior (quinta-feira), que iria tomar café com sua mulher e que na segunda-feira a quimioterapia começaria.

MInha avó está com câncer. Na época, os resultados dos exames estavam saindo e a famíla estava abalada. Eu chorava muito. Saber que aquele senhor estava com câncer e que eu tinha cruzado o caminho daquele casal me fez acreditar em Deus e, ao mesmo tempo, ficar com raiva dele. Parecia que Deus estava me testando. Mas eu só senti isso no caminho de volta para a casa daquela-que-manda-a-gente-ficar-quieta. Enquanto eu estava na frente deles eu aceitei a missão. Falei da minha avó. O sotoque do senhor era puxado. Intuí que ele poderia ser do Rio, onde morei em 2007 e alimento uma relação de muito carinho.

Eu: Você é do Rio?

Ele: Sim!

Eu: Flamenguista?

Ele: Claro!

Eu: De que lugar você é?

Ele: Da Glória!

E assim, falamos do Rio com carinho e saudade.

Eles prosseguiram seu trajeto. Antes: "Tenham fé!"

Sobramos eu e a outra senhora, que me deu algumas informações a mais do casal. Não tinha mais importância. Dei tchau para ela e para a sua empregada negra, que lavava a calçada, mas que parou no momento em que eu cantei (eu percebi) e que prestava atenção na nossa conversa.

Voltei chorando e pensando em Deus.

Cheguei na casa da-que-manda-ficar-quieta mais cedo do que o previsto por aquela-que-manda-em-todo-mundo, que imediatamente me mandou voltar para a missão. Eu disse que não iria porque já havia terminado a minha. Ela me mandou fazer de novo, com outra pessoa. Eu disse que não.

Fiquei esperando dar o tempo. Andei na calçada, fui até a praça, acompanhei o que aquela-que-manda-ficar-quieta estava terminando de fazer...

Quando todas estavam na casa, aquela-que-manda-em-tudo pediu para que, andando em fila pela casa, interagíssemos entre nós através do material que tínhamos acabado de recolher. Eu não conseguia. As meninas falavam frases soltas, que me soaram engraçadas. E eu ainda pensava no casal, na minha avó, em Deus... Imaginei que alguém poderia fazer o mesmo com a minha avó. Pensava em ver o casal de novo. Lembrei que a folha de sulfite era de rascunho, que tinha o telefone daquela-que-manda-em-tudo digitado. Eu tinha que contar toda a história. Não queria contar partes. Levantei minha mão direita ao alto para pedir para falar. Nesse momento, aquela-que-manda-em-tudo disse: Isso! Você quer falar, pede para falar, mas nunca consegue! Eu: Nunca?! Isso me deu um nó na garganta. Mas fui me acalmando. Uma hora eu iria falar. E eu consegui falar. Elas me olharam atentas. Lembro de alguém chorando. Aquela-que-manda-em-tudo chorou também.

Hoje eu passo na frente da casa da 2ª senhora e sinto vontade de bater na porta para perguntar do senhor. Tenho medo. Eles nunca ligaram.

Contar isso em cena é estranho e nostálgico. Lembro deles e penso em Deus. Mas para quem escuta a dúvida fica: será que isso realmente aconteceu?

Enquanto eu escrevia esse texto, eu chorava. Enquanto eu escrevia esse texto, eu escutava "De onde vem a calma", dos Los Hermanos. Eu tenho escutado muito essa música e me perguntado: será que o Marcelo Camelo viu esse cara na rua? Eu já imaginei esse cara na Lapa, no centro do Rio e parado no ponto de um ônibus. Será que essa história é real? Ou ele está falando dele mesmo? Ou de mim?

Ass.: Aquela-que-usa-salto-e-briga-com-as-outras.

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